sábado, 15 de junho de 2019

Falta de palavras

Uma das coisas que me acontece com frequência é esquecer-me da palavra que estou prestes a proferir. No momento em que a ia mobilizar, ela furta-se à tarefa, foge de mim e, por mais que corra atrás dela, não a consigo apanhar. A sensação com que fico é desagradável. A ausência da palavra é uma lacuna no saber, porque não é apenas o som que me escapa é também aquilo que ele evoca. Estas lacunas devido ao passar dos anos, porém, são menos graves que outras. Olho pela janela e vejo um arbusto cheio de flores que me parecem hesitar entre o rosa e o salmão. Não tenho, todavia, palavra para o designar. Esta falta de palavras para dizer o que se vê pesa-me mais que o esquecimento, mostra-me como eu passo pelas coisas com sobranceria e desdém, sem querer saber-lhes o nome. E se não sabemos o nome delas como falar delas, sem lhes faltar ao respeito? Um pequeno pássaro poisa no arbusto, e é tudo o que a minha pobre linguagem consegue dizer. Deveria passar o tempo a fazer listas dos nomes da flora e da fauna, ou do mobiliário ou, mesmo, dos tecidos. Como se pode falar do mundo se não se tem palavras para ele?

2 comentários:

  1. Gosto muito de vir aqui ler o que escreve. E só não comento mais vezes por me sentir incapaz de dizer qualquer coisa minimamente interessante; mas o que escreve é sempre motivo de reflexão para mim.
    A falta de palavras é terrível, sem dúvida. Todavia pior que esquecermos as palavras, será trocá-las, ou seja, querermos dizer uma palavra e dizermos outra completamente diferente.
    É angustiante, por vezes acontece-me isso e, segundo ouvi dizer, não é nada bom, antes pelo contrário...
    Maria

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. As palavras são um mistério. Não damos por isso, porque estamos mergulhados nelas desde antes de nascer. Parecem-nos evidências, mas seja o seu esquecimento, a sua troca ou a sua falta, tudo isso é revelador do carácter misterioso da palavra e do poder de simbolizar.

      HV

      Eliminar