Tenho uma tarde poeirenta pela frente, o que me dá sempre
ensejo para considerações esquálidas. Pensamos, medito, que o momento não
chegará, que nunca a nossa obsolescência cairá, como uma evidência irrecusável,
diante dos nossos olhos. Haveremos sempre de estar na vanguarda. De um momento
para o outro, porém, a realidade muda e os nossos reflexos estão enfraquecidos,
o corpo cansado e a vontade gasta. Aquilo que valia deixou de valer, as regras
e o jogo são outros. É uma hora terrível. Os que nos rodeiam ainda não sabem,
mas nós sabemos que estamos definitivamente ultrapassados. Perdemos a corrida.
Os gestos estão mais lentos, as mãos mostram uma pele enrugada e, acima de
tudo, há em nós a pior das tentações. Não queremos saber. Aquilo que agora nos
ultrapassa e nos revela o quão arcaicos somos não nos interessa, são coisas que
se dirigem para o futuro e nós, aquilo que nos falta, é futuro. Sobra-nos o
passado e é para lá que nos dirigimos, enquanto a nova vanguarda edifica as
suas ilusões e ainda não sabe que também ela está grávida da sua obsolescência.
Na praceta aqui ao lado, um adolescente bate uma bola de basquetebol. Inebria-o
o som e o movimento. Oiço a batida e fecho os olhos. Ainda tenho que disfarçar
durante uns tempos.
Sim, é uma hora terrível.
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Maria