sexta-feira, 28 de junho de 2019

Revelação

Tenho uma tarde poeirenta pela frente, o que me dá sempre ensejo para considerações esquálidas. Pensamos, medito, que o momento não chegará, que nunca a nossa obsolescência cairá, como uma evidência irrecusável, diante dos nossos olhos. Haveremos sempre de estar na vanguarda. De um momento para o outro, porém, a realidade muda e os nossos reflexos estão enfraquecidos, o corpo cansado e a vontade gasta. Aquilo que valia deixou de valer, as regras e o jogo são outros. É uma hora terrível. Os que nos rodeiam ainda não sabem, mas nós sabemos que estamos definitivamente ultrapassados. Perdemos a corrida. Os gestos estão mais lentos, as mãos mostram uma pele enrugada e, acima de tudo, há em nós a pior das tentações. Não queremos saber. Aquilo que agora nos ultrapassa e nos revela o quão arcaicos somos não nos interessa, são coisas que se dirigem para o futuro e nós, aquilo que nos falta, é futuro. Sobra-nos o passado e é para lá que nos dirigimos, enquanto a nova vanguarda edifica as suas ilusões e ainda não sabe que também ela está grávida da sua obsolescência. Na praceta aqui ao lado, um adolescente bate uma bola de basquetebol. Inebria-o o som e o movimento. Oiço a batida e fecho os olhos. Ainda tenho que disfarçar durante uns tempos.

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