Num poema do realizador e poeta italiano Pier Paolo Pasolini deparo-me com a metáfora os candelabros de oliveiras. Em português, a sonoridade não é arrebatante, tão pouco em francês, a tradução em que leio o poema. Como não tenho acesso ao original, faço a experiência de traduzir a tradução para italiano, com a esperança de aceder ao que Pasolini terá escrito. O tradutor devolve-me lampadario di ulivo. A aliteração do ‘l’ e a assonância do ‘i’ dão à metáfora uma intensidade que as versões em português ou em francês não alcançam. Olho para as oliveiras da escola ao lado e, pela primeira vez, vejo nelas um candelabro, como se elas tivessem na sua seiva o estranho poder de me iluminar. Agora, o silêncio caiu no parque infantil da praceta. Até há momentos um bando de crianças entregava-se a jogos ruidosos por onde se expandia a sua infância. O dia está luminoso e não há vento. A ramagem do arvoredo não bole, nem nos céus há pássaros ou anjos a voar. Na avenida, os carros passam tomados pelo fastio de domingo. Alguns estacionam para que de dentro saia alguém à procura de um café ou de um bar. Um casal é levado pelo seu cão, um animal minúsculo, irascível. Uma moto ronca quebrando o sossego dominical, para o seu condutor confirmar no troar mecânico a virilidade. Nunca deixam de me espantar as causas que suspeito nas acções dos seres humanos. Uma das minhas netas está a ter uma lição de inglês, em videoconferência, com a avó. Há pouco foi a outra, mas a lição era de francês. Tenho pena delas, mergulhadas neste mundo cheio de possibilidades comunicativas. Olho para o relógio e penso que a missa do meio-dia, em S. Pedro, se aproxima do fim. Ao acabar, as famílias sairão para o almoço dominical, como se o mundo continuasse igual àquele em que também eu ia à missa em S. Pedro. Esse mundo, todavia, acabou para mim há mais de quarenta anos. Presumo que o padre será outro e que os próprios fiéis serão, em grande parte, outros. Depois, penso no poema de Pasolini e fico a contemplar a expressão lampadario di ulivo. Uma dúvida veio atormentar-me: e se Pasolini escreveu outra coisa? Deveríamos conhecer todas as línguas do mundo para poder ler poesia no original. A realidade, de facto, deixa muito a desejar. O castigo por causa da torre de Babel parece-me excessivo. Uma pena desproporcional, diria um jurista. Eu abano a cabeça em sinal de concordância.
Sem comentários:
Enviar um comentário