Há uns anos, antes de termos entrado na carruagem da pandemia, às quartas-feiras, na escola ao lado, havia ensaio de um conjunto musical escolar, onde o vocalista era – ou é – um rapaz do meu tempo. Eu chamava-lhe grupo de baile, pois o que ouvia era um conjunto de êxitos dos anos sessenta e setenta, que os grupos que animavam os bailes de província tentavam imitar. Reparo, agora, que os ensaios não retornaram com o aligeiramento pandémico. Para quebrar a paz e o silêncio, apenas a algaraviada dos adolescentes na praceta, enquanto não chega a hora de entrarem para o centro de línguas, onde hão-de aprimorar o inglês. Não creio que alguém, hoje em dia, estude francês ou alemão. Tornaram-se língua dispensáveis e, por isso, culturas de segunda ordem, por muitos que os respectivos falantes julguem o contrário. Se o mundo estivesse bem feito – e não está – não haveria mais de uma dezena de línguas sobre o nosso pobre planeta, as quais seriam aprendidas por todos neonatos da espécie. Combinávamos a diversidade linguística com a comunicação universal. O mal do mundo é não me consultarem antes de tomarem decisões irrevogáveis. Caso me tivessem perguntado se era coisa boa porem-se a construir a torre de Babel, eu teria respondido que sim, mas – e aqui a adversativa faz toda a diferença – não passem do quinto andar. Se o Todo Poderoso se aborrecer e decidir por castigo multiplicar as línguas, não ultrapassará a dezena, pois se o fizesse a pena seria sem proporção com o delito. Não me ouviram, puseram-se a tentar chegar aos céus e foi no que deu. Ninguém se entende. A adolescência calou-se, exercitam, por certo, o inglês, mas não sabem o que é a torre de Babel, o que é uma pena. Se o soubessem, não alimentariam ilusões sobre uma comunicação universal. O dia está frio e cinzento e eu não tenho mais nada para escrever senão frivolidades.
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