domingo, 13 de fevereiro de 2022

Spleen

Tenho de mudar as escovas do limpa pára-brisas. Tive de me meter no carro para ir cumprir uma tarefa inadiável. E enquanto me deslocava pela cidade começou a chover. Reparei, então, que as escovas já tiveram melhores dias e que estão a pedir reforma ou, para utilizar o jargão adoptado pelo empreendedorês em vigor, têm de ser descontinuadas. Aproveitei para uma revisitação a uma tarde de domingo na província. Outrora, a tarde de domingo poderia ser dedicada ao numa ida ao cinema ou ao futebol. O cinema foi descontinuado. A sala – um bela e grande sala – foi reconstruída, mas na verdade já não é um cinema. Quanto ao futebol, penso que os espectadores se descontinuaram, mas não tenho provas para o que afirmo. A cidade estava triste, banhada por uma cinza caída de um céu velado por uma cortina de nuvens. As pessoas deslocavam-se presas a uma estranha irrealidade, como se fossem fantasmas. Os domingos de província não são coisa que suscite grandes entusiasmos. Também eu sofro, de momento, dessa falta de entusiasmo. Olho a rua, vejo transeuntes e carros a passar, nada que mate em mim o spleen que me acometeu. Daqui a pouco terá passado, como é hábito. O pior é que amanhã não tenho tempo para ir mudar as escovas. Isso, sim, deveria preocupar-me.

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