Hoje decidi oferecer-me um dia sabático. Não fazer rigorosamente nada. Fui almoçar fora e passear numa tapada para apanhar sol ou, quando este estava muito quente, para me proteger na sombra de velhas árvores. Descobri que muitas outras pessoas se tinham oferecido a si mesmas um dia sabático. Hoje não tive videoconferências, nem reuniões intérminas, nem admiráveis discussões sobre o sexo dos anjos ou o melhor modo de salvar o mundo ou as pessoas, ou sei lá eu o quê. Um dos males deste planeta é estar pejado de gente que se representa como super-herói. Por norma, estas pessoas, sempre prontas a descortinar causas de salvação, são daquelas que fazem o mal e a caramunha. Como se vê, contínuo, mesmo em dia sabático, a cultivar expressões ao gosto popular. Foge-me o pé para a chinela, quero eu dizer. Tanta aparência de erudição, mas a verdadeira cultura de base é aquela composta por máximas, provérbios e ditos do mais trivial senso comum. Aproveito para esclarecer que senso comum e bom senso não são a mesma coisa. Apesar de certo e importante pensador, um dos pais da modernidade, afirmar que o bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo, pois não há quem julgue que precise de mais do que aquele que possui, apesar disso, dizia, o bom senso é uma coisa bastante incomum. O comum é as pessoas terem pouco sentido das coisas. Têm um olhar enviesado sobre a realidade. Eu também o tenho, mas é um enviesamento hiperbólico. Olho de lado e vejo tudo aumentado, embora quando olhe para mim de esguelha não consiga ver na minha pessoa um super-herói. Poderia ser um super-homem, mas tenho medo da kryptonite e de que ande por aí algum Lex Luthor à minha caça. Vou agora ver deslizar o dia, olhando para as águas de Tejo a fundirem-se no mar, à espera que as minhas netas cheguem. Enquanto o rio flui, vou ler mais umas páginas da Ogawa. Isto é permitido em dia sabático.
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