Foi uma semana pesada, de tal modo que nem oportunidade tive de vir por estes lugares narrar as extraordinárias aventuras que, contadas com arte e engenho, ainda de mim fariam um Ulisses ou um Cid, el Campeador. Como a natureza não me dotou com essa indústria, fico-me por um anónimo Sancho Pansa que perdeu o seu D. Quixote. Por motivos que não vêm ao caso, hoje coube-me fazer o almoço. Uma experiência que acabei por declinar. Saí de casa e, como isto é uma quase cidade e uma quase cidade moderna, dirigi-me a um takeaway de confiança, com provas dadas. Acho que, olhando o que comprei, nem cozinhei mal, embora ainda não tenha almoçado. A isto chama-se crer na uniformidade da natureza, uma crença que julga por bem afirmar que se as coisas no passado foram boas também o serão no futuro. É uma ideia comovente, apesar de certos pensadores acharem que não tem justificação. Ora, oiço-me dizer, se nós apenas déssemos crédito ao que conseguimos justificar, nada teria crédito. O dia está cinzento, muito, mas não chove. Antes de sair, sentia-me bastante envelhecido, mas agora, retornado a casa, recuperei a idade que tinha, o que não é um consolo extraordinário. Continuo a acumular livros sem saber a razão. Na minha secretária repousam dois de Marsílio de Pádua. São traduções espanholas chegadas na quarta-feira. Talvez sofra de uma adicção e deva entrar para os viciados em compra de livros anónimos, onde haveria confessar as terríveis tentações. As de comprar livros, entenda-se.
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