É
muito triste uma pessoa receber uma mensagem e não conseguir decifrá-la. Foi o
que aconteceu comigo. Num livro comprado online num alfarrabista inglês, vinha
um pedaço de papel branco, com forma quadrangular. Nele estavam escritas cinco
palavras numa certa língua. Cada uma delas era seguida por dois pontos e depois
uma eventual tradução numa outra língua. O pior é que quase tudo está escrito
com uma letra indecifrável. Apenas consegui perceber que as palavras da
esquerda eram em francês, pois a única legível é boudin à qual corresponde,
em ingês, black pudding. A mensagem secreta por que esperava, se ela lá
está, é indecifrável. Não tenho nada contra, pelo contrário, as morcelas, mas
não consigo, nem metaforicamente, ligá-las a uma mensagem secreta ou mesmo manifesta.
Pensei em enviar o papelinho para a criptografia do exército, mas imaginei que
isso poderia gerar uma crise internacional, não se vá dar o caso de o livro,
onde vinha o papel, ter sido propriedade de um espião. Se nunca sabemos por
onde andaram os livros novos, quanto fará os usados, embora este, o portador da
mensagem, não tenha sinais de uso, dando a ideia de que o papel foi lá metido
para que eu o encontrasse. O que justifica esta última afirmação? Várias
coisas. Em primeiro lugar, o facto de eu ter comprado online o livro.
Depois, o livreiro ter-me enviado precisamente este exemplar e não outro, no
qual poderia não existir qualquer mensagem. Haverá quem argumente que tudo isso
não passa de um acaso, que ninguém anda por aí a enviar mensagens cifradas para
o desconhecido e que um vocabulário traduzido de francês para inglês não é
mensagem criptografada, mas a tentativa de um inglês aprender francês. Uma opinião
respeitável, como todas as outras. O facto de ser digna de respeito, porém, não
a torna verdadeira. Basta colocarmo-nos numa perspectiva teleológica para
perceber que a verdade está do meu lado. A causa final de todo este imbróglio
sou eu, melhor a minha leitura. Tudo foi organizado para que eu lesse aquela
lista e para me humilhar, pois não consigo decifrá-la. Há dias que ainda temos
menos coisas para dizer do que habitualmente. Hoje é um deles, por certo.
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