sábado, 20 de abril de 2024

O que procuramos

Num ápice li as cem páginas de A Promessa, um romance da escritora argentina Silvina Ocampo. Quase a terminar, a narradora diz: Morrerei depressa! Se morrer antes de terminar o que estou a escrever ninguém se lembrará de mim, nem sequer a pessoa que mais amei no mundo. Existe, esta pessoa? Creio que existe. Nunca me abandonará e seguir-me-á como uma sombra divina que eu procurarei ao meu lado, porque tudo o que procuramos aparece de repente da forma mais inesperada. O que me prendeu de imediato não foi a situação existencial da narradora, nem o questionamento sobre a existência da pessoa que mais amei no mundo, um estranho questionamento, pois as alternativas são não ter amado ninguém no mundo ou ter amado todos os que amou com a mesma quantidade de amor. O que me feriu a atenção foi a certeza expressa de que aquilo que procuramos acabará por aparecer, ainda que da forma mais inesperada. Esta frase é a abertura da narrativa para uma dimensão metafísica que parecerá estranha ao leitor. Aquilo que aparece de forma esperada fá-lo no âmbito de um cálculo da razão. Ora, aquilo que chega da forma mais inesperada surpreende a razão e a sua capacidade de calcular. Está para lá da compreensão da razão a fonte de onde brota aquilo que procuramos e que surge inesperadamente. A essa fonte têm-lhe sido dados diversos nomes, mas deixemos a denominação de lado, e contemplemos o enigma de onde surge inesperadamente aquilo que procuramos.

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