Imagino
que Carl Schmitt não será personagem cuja companhia se recomende, pois ele, em
vida, não hesitou em escolher as piores. Não foi o único. Contudo, teria o seu
humor. Negro, dirão alguns. Numa das suas anotações, a de 2 de Julho de 1949,
escreve: Que quereis vós? A massa: viver bem e ter as nossas
distracções; to live and have a fun. Ser-vos-á servido isso mesmo; alimentos e
ócio, com calorias e filmes. Não
sabia ele que as calorias iriam ganhar péssima fama e que, depois de entesourar
essas mesmas calorias, os homens da massa – e aqui que ninguém nos ouve, ou lê,
para ser mais preciso, quem são os homens que não pertencem à massa? –
começaram a querer libertar-se delas. Por espirituosa que seja, uma visão é
sempre parcial. Aqui, parcial nem significa inclinada a tomar partido, mas apenas
que só pode ver uma parte da realidade. Schmitt não compreendeu que a
acumulação feérica de calorias conduziria a um movimento de emancipação delas. A
anotação de Schmitt é, na verdade, um lamento sobre o destino do mundo. A vida
em vez de se dirigir para as coisas elevadas, dirigia-se para o gosto ancestral
dessa massa. Contudo, é uma lamentação sem sentido. O facto de muitos se
contentarem com calorias e filmes não impede que outros persigam outros
desideratos. Schmitt lamenta, no fundo, não poder impedir esses muito de terem
as suas calorias e as suas distracções. O mundo é um lugar suficientemente
amplo para que o contentamento de uns não impeça o contentamento de outros. Estas
anotações, escritas entre 1947 e 1958, foram publicadas com o título Glossarium.
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