A Primavera parece estar a consolidar-se, depois de uns tempos de hesitação. As estações são como as pessoas. Precisam de tempo para chegar ao que são, embora existam muitas pessoas que nunca chegam ao que são e nem sequer alcançam o que não são. Não há ente mais estranho sobre este planeta, bola rochosa habitada por múltiplos entes estranho, do que o homem. Por vezes, se o olho com demora e suficientemente de longe, parece-me apenas um esboço, um protótipo mal concebido, a tentativa sem sucesso de criar um ser inteligente e digno de consideração. A inteligência é intermitente e em vez de ser digno de consideração é apenas digno de comiseração ou, em linguagem popular, digno de dó. Talvez a nossa dignidade resida no dó que suscitamos uns aos outros ou num qualquer espectador imparcial que nos observe como nós observamos formigas, borboletas ou moscas-do-vinagre. Comecei a tecer loas à Primavera e logo caí na mais insonsa – como detesto a palavra insossa – misantropia, num arremedo ou simulacro de ódio à humanidade. De súbito, assaltou-me uma saudade dos tempos em que me dedicava a considerar não a misantropia, mas a misologia, o ódio à razão. Talvez a minha misantropia tenha nascido de os homens, espécie da qual faço parte na categoria de narrador, cultivarem com afinco e de modo contumaz a misologia, de serem uns acabados misólogos.
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