Só
cheguei aqui depois de jantar. Isto significa que o dia foi excessivo em
ocupações e actividades. Valeu-me a caminhada junto ao rio, seis quilómetros
para ajudar na pacificação com a balança. Em pouco tempo, o volume da água diminuiu
assustadoramente, deixando já entrever o leito, anunciando o fio de água que
será no Verão. Em contrapartida, a erva cresceu na proporção inversa à descida
das águas. Espantosas estavam as papoilas nas margens, mas não havia quem colhesse
um ramalhete rubro de papoulas, nem burguesas que descessem de burros e fizessem
piqueniques, onde houvesse pão de ló molhado em malvasia. Tudo isso acabou há
muito. Sobraram as posturas tolas, mas essas são eternas ou tão eternas quanto
a espécie humana. Estarão inscritas no seu, isto é, no nosso ADN. Os dias estão
enormes, a luz prolonga-se e é um prazer o fim da tarde na rua, como se fosse a
promessa de um dia sem fim e de uma luz que não acaba. Uma ilusão, mas a vida
seria impossível sem ilusões, há que cultivá-las com cuidado, na exacta medida
em que estabelecem um laço com a existência, mas não mais do que isso. Vou ver
a noite da janela do escritório, observar como é conspurcada pelas luzes
artificiais, que apagam as estrelas do céu e matam o mistério do mundo.
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