Está uma chuva de cães, mas o alcatrão parece seco. Cobre-o a poeira vinda das Áfricas, pois são muitas e plurais as Áfricas. Também as poeiras são de diversa índole e deixam-se dedilhar por mãos de todas as texturas. Uma investigação botânica mostrou-me que são seis as orquídeas floridas. O friso compõe-se. Ainda vejo um pouco de uma das ameias do castelo, mas mais uma ou duas Primaveras e ela ficará escondida dos meus olhos. E quando estes a procurarem só encontrarão as agulhas verdes do pinheiro, ali posto para crescer e conspirar contra a minha visão. Dormi muito pouco e, nos dias que se seguem às noites em que durmo muito pouco, sinto a tentação de adormecer sentado, mesmo se faço alguma coisa, como neste momento, em que escrevo, quase sonâmbulo, esta narrativa de uma gesta destituída do calor da aventura. Sábado sem sol. A luz esbranquiçada paira sobre a copa das árvores, toca ao de leve a parede das casas, repousa como se fosse um grande lago de águas paradas. Deveria fazer um inventário dos sons que oiço, talvez uma descrição fenomenológica com esperança de encontrar, por exemplo, a essência do canto dos pássaros meus vizinhos. Nos prédios da frente, há anjos sentados nos telhados. Fumam e bebem cerveja, mas não consigo ouvir o que dizem. Sem pulmões e sem fígado, é indiferente o que fumam e o que bebem, e isso expressa-se nos seus gestos, no desdém com deixam o fumo evolar-se das narinas ou na displicência com levam as garrafas à boca e deixam deslizar a cerveja pela a ausência dos seus corpos. Um retirou-se. Voou para longe, alguma alma o chamou, como nós chamamos um táxi. Com pressa de chegar ao destino.
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