Em tempos mais recuados, havia uma física – talvez o mais certo seja falar de uma química – mais interessante do que a actual. Tinha na base quatro elementos, a partir dos quais se compunha a realidade. A terra, a água, o ar e o fogo. Em algumas versões, acrescentava-se um quinto elemento, o éter, elemento do mundo supralunar. Havia, também, uma versão mais interessante, a de Anaximandro de Mileto. No fundamento de tudo, há uma matéria-prima a que dá o nome de ἄπειρον (ápeiron) que se traduz por ilimitado, aquilo que não tem limites. De lá são segregados os contrários que compõem o mundo, o qual retornará para essa matéria indiferenciada. Estas físicas – ou químicas – tinham uma natureza poética e se não são verdadeiras, não deixam de ter o seu encanto. Faziam parte de um mundo encantado que, muitas vezes, parece perdido devido à racionalidade que atingiu os campos da ciência, da filosofia, da moral, da economia e da política. Isto se nos deixarmos cegar pelas as aparências. A poeticidade do mundo emerge continuamente, mesmo nas áreas onde a razão exerce o seu império. Os modelos nas ciências têm uma natureza análoga às metáforas, na política, mal se raspa um pouco na crosta, logo emergem mitos, o mesmo se passa nas outras áreas. Muitas vezes, essa poeticidade é uma luminosa forma de encantamento. Contudo, também assume formas tenebrosas, como acontece na História, a qual tem por motor um conflito de mitologias (e não de ideologias, como se supõe) que se opõem e digladiam. O mundo encantado não é um mundo apenas luminoso. Ele é composto por luz e trevas. Trevas essas que estes últimos séculos, apesar do esforço encarniçado, nunca conseguiram iluminar e eliminar, como se pode ver pelo estado actual do mundo. Hoje é sexta-feira e devia ter pensado noutra coisa, como uma estadia junto ao mar, mas não me ocorreu que aí haveria a água do mar, a areia da terra, o ar soprado pelo vento oceânico e o fogo do sol. É o que faz andar distraído.
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