Como se constata neste blogue, e não poucas vezes, a realidade é uma coisa tendencialmente insuportável. Tem um pendor inexorável para destruir todas as excelentes ideias que a mente humana produz. Veja-se a vexata quaestio da máquina de movimento perpétuo. Uma óptima ideia. Por exemplo, um carro que ao andar gerasse a sua própria energia, sem necessitar de recorrer a combustível externo. Um carro desses poria fim à dependência do petróleo ou das baterias de lítio. Seria amigo do ambiente e padrinho do proprietário. Tudo vantagens inultrapassáveis. O pior é o tribunal constitucional, isto é, a realidade. Esta, enquanto tribunal superior de protecção da legislação constituinte da natureza, não permite que se fabriquem carros de movimento perpétuo. Argumenta que essa máquina infringe a primeira e a segunda leis da termodinâmica e por isso não é permitido produzi-los. Quem é que quer saber dos humores da termodinâmica? Quem se interessa por uma energia que não pode ser criada nem destruída ou pela estucha da entropia? Ninguém de bom senso, mas a realidade, fincada nos poderes de vigilante da constituição da natureza, não quer saber daquilo que nós, seres humanos, queremos saber. Eis o drama em que mergulha a existência humana, o conflito entre os seus desejos e a realidade. É aqui que um racionalista se inquieta e interroga a teoria de Darwin. Qual foi a vantagem competitiva do homem ter desenvolvido faculdades que imaginam coisas extraordinárias que a realidade proíbe? Note-se que esta objecção ao darwinismo não é um argumento a favor do criacionismo, pois a pergunta que se colocaria a Deus seria idêntica. Por que razão foi criado um ser capaz de imaginar coisas extraordinárias que a realidade criada pela divindade se recusa a aceitar? Chega-se, assim, ao ponto central: foi o homem mal concebido ou a realidade mal arquitectada? Vou beber água, para me hidratar, já que não me é permitido criar uma máquina de movimento perpétuo.
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