Hoje é
domingo. Uma constatação prosaica e ao alcance da generalidade das pessoas que
sabem usar um calendário ou conhecem a designação dos dias da semana e ainda
não perderam a conexão com a realidade. O que interessa tudo isso? Eis uma
pergunta inútil. Não interessa para nada, será a resposta. Contudo, a vida –
pelo menos, a deste narrador – é feita de constatações prosaicas. Em tempos,
poderia ser feita de grandes palavras e grandes actos, o que constituiria uma
gesta, mas faltou-lhe o talento para ser herói. Ser herói não é uma questão de
coragem, mas de talento. Talento para escolher as ocasiões que fazem o herói.
Não é apenas o ladrão que produzido pela ocasião, mas também o herói. Os heróis
das gestas medievais foram-no porque o mercado das ocasiões para a heroicidade
era enorme. Havia muito mais oferta do que procura, por isso, ser herói era
barato. Nos decadentes dias em que nos cabe viver, a oferta de ocasiões para a heroicidade
diminuiu drasticamente e o preço a pagar pelo título de herói é muito alto, tão
alto que só os grandes multimilionários podem aspirar a essa condição, coisa a
que, na verdade, não aspiram, deixam isso para uma multidão de descamisados sem
eira nem beira. Aliás, o problema já se coloca há uns tempos, desde que na
literatura começou a avultar, no lugar do herói, o anti-herói. Este não estava
para pagar o alto preço para encontrar uma ocasião que dele fizesse um herói e
decidia tornar-se no contrário, o que era gratuito. Portanto, como se pode ver,
a transição, na literatura, de uma narrativa centrada em heróis para uma
fundada em anti-heróis deve-se a uma questão económica. Ora, esta deriva sobre
os mecanismos económicos do heroísmo serviu para justificar por que razão este
narrador não é um herói. Contudo, deixa por explicar por que não é ele um
anti-herói, mas isso é assunto que poderá vir, se vier, à colação no futuro,
caso exista tempo, dele faça parte o futuro e o narrador tenha ainda um lugar
neste futuro.
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