Comecei
o dia com um encontro auspicioso com a balança. Fiz-lhe uma reverência,
inclinei a cabeça, disse-lhe bom-dia. Ela encheu-se de salamaleques e
devolveu-me um peso aceitável. Não, mais do que aceitável, promissor. Isso
deu-me ânimo e tenho estado, neste dia de descanso, entretido com coisas úteis,
embora, nesta vida, haja poucas coisas que são verdadeiramente úteis, e sobre
elas nunca conseguiremos chegar a um consenso. O que é útil e decisivo para
uns, será risível para outros. Isto é uma prova de que há qualquer coisa na
sociedade que está errada. Diz-se que todas as sociedades têm as suas tábuas de
valores. O drama é que nunca vi essas tábuas e aquilo que eu valorizo, outros
nem reconhecerão a existência. Uma possibilidade é que todas as sociedades
tenham uma tábua de valores menos uma. Precisamente, aquela a que pertenço.
Imagino que seja um azar ter nascido na única sociedade que não tem uma tábua
de valores, embora não se chegue a acordo se não tem nenhuma ou se tem tantas
que parece não ter nenhuma. Podemos formar, a partir do que se escreveu, uma
taxionomia societária – que palavra mais desgraçada – relativa à existência de
tábuas de valores. Uma taxionomia possível, mas não real, note-se. Temos
sociedades monistas, aquelas que só têm uma tábua de valores. Sociedades dualistas,
as que têm duas tábuas de valores. Sociedades pluralistas, as que usam pelo
menos três tábuas de valores. Por fim, sociedades niilistas, as que não dispõem
de tábuas de valores. Nestas, cabe a sociedade a que pertenço. É uma sociedade
que trocou a tábua de valores pelas tábuas de enchidos e pelas tábuas de
queijos. Caí na pior das sociedades possíveis, pois as suas tábuas são inimigas
da minha relação com a balança. Ora, como quero estar de boas relações com a
balança, não posso orientar a minha vida pelas tábuas que orientam e dão
sentido à sociedade a que pertenço. Isto explica muito do que escrevo, coisas
sem sentido, coisas vindas de uma mente que perdeu a orientação, pois sente-se
compelida a rejeitar as tábuas que guiam a sua sociedade. Se se perguntar o que
é o niilismo, pode-se, com segurança, responder que é uma forma de vida que
trocou as tábuas de valores por tábuas de enchidos e queijos. Esse é o verdadeiro
niilismo, que nem Nietzsche conheceu.
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