Em Algumas Lições sobre o Perfil do Erudito, de 1794, Fichte terá afirmado que o erudito deve ser, do ponto de vista moral, o melhor ser humano do seu tempo. Esta tradução do título Einige Vorlesungen über die Bestimmung des Gelehrten é equívoca. Fui buscá-la à tradução portuguesa de uma obra de Alexander Kluge, que faz a citação referida. Ora, a tradução francesa é Conférences sur la Destination du Savant, texto que trabalhei arduamente há décadas, mas do qual já não tenho memória. O tradutor automático da DeepL não propõe nem erudito nem sábio (savant), mas académico. A questão não é de somenos. Não se percebe por que um acumulador de informações (um erudito) terá de ser o melhor ser humano do seu tempo. Saber muitas coisas não faz de nós melhores. O mesmo se aplica ao académico. Por que razão o triunfo no mundo académico tornará melhor moralmente o triunfador? A tradução francesa por savant (sábio) é a mais pertinente. Ser sábio é muito mais do que acumular informações ou triunfar na academia, mas uma forma de saber conduzir a sua vida e a relação com os outros. O sábio é o que sabe, efectivamente, traduzir o conhecimento na acção, não porque age segundo um enquadramento teórico, mas porque a sua sabedoria se tornou carne da sua carne e espírito do seu espírito. O sábio é o que está aberto ao acontecer e sabe dançar a música dos acontecimentos. Por certo, esta concepção de sábio está longe daquela proposta por Fichte, que um dia me terá interessado, mas que o tempo, com a sua sabedoria, rasurou da minha memória. Olho para o livro anotado, reconheço a minha letra, mas, na verdade, já não me reconheço como autor dos comentários feitos com a letra que é a minha. Se não me desse trabalho, punha-me a apagar sublinhados e anotações, para retornar a ler aquilo que há muito li diversas vezes, sem me tornar mais sábio.
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