Uma das obras do filósofo alemão Peter Sloterdijk tem, na tradução portuguesa, um belo título: Palácio de Cristal. Contudo, quando se procura o título alemão, para nosso desgosto, não encontramos nem palácio nem cristal, apenas um prosaico Im Weltinnenraum des Kapitals. Mesmo para alguém que não sabe alemão, como é o caso deste narrador destituído de narrativa, percebe-se que por ali está a ideia de capital (Kapitals), de mundo (Welt), de espaço (Raum) e de interior (innen). Imagino que seja difícil traduzir Weltinnenraum. O que se passa, porém, é que Portugal é um país de poetas, e os nossos tradutores são poetas em exercício. Esse interior do espaço mundial – ou será do espaço-mundo? – do capital, uma realidade, por certo, bem prosaica, é trocado por uma metáfora: o Palácio de Cristal, autorizada, claro, pelo conteúdo da obra, o título do capítulo 33. Quem olha para a designação alemã fica com uma ideia do que trata a obra. Quem olha para a tradução portuguesa, mesmo com a ajuda do subtítulo Para Uma Teoria Filosófica da Globalização, não sabe bem o que tem pela frente. Talvez isto explique a razão por que os alemães têm uma economia forte e os portugueses têm a que têm. Contudo, há razões para contrariar o meu comentário. A obra de Sloterdijk, esta mesma, está recheada de metáforas, uma ânsia poética em espírito filosófico. Ora, a filosofia, tal como a conhecemos, começou, de facto, com a dupla Sócrates-Platão, e este, para se tornar discípulo do primeiro, teve de rasgar o seu trabalho poético, as tragédias que teria escrito. No Fédon, Platão põe na boca de Sócrates, horas antes de este tomar o veneno, a ideia de que os poetas fazem ficções e os filósofos argumentos. A partir daí o campo ficou dividido, e, mesmo dentro de um palácio de cristal, não será boa ideia ficcionar quando se trata de argumentar. Esta é a minha opinião de hoje. Amanhã posso ter uma contrária. Cada dia com o seu mal.
Sem comentários:
Enviar um comentário