Saí para caminhar às cinco e meia da tarde. A noite caía sobre a cidade, envolvendo-a na tenaz da escuridão, cobrindo-a com um véu de negrura, um tule sarapintado pela melancolia da iluminação pública. Nas ruas, as pessoas iam e vinham. Nos parques infantis, havia pais e avós olhando com desvelo as crianças, arrancando com os olhos a noite que sobre elas caía. Não me lembro do que pensei durante o trajecto, mas terei pensado muitas coisas, pois a consciência é um babuíno aos saltos, nunca parando quieta, disparando pensamentos uns atrás dos outros. Para ser exacto, deveria dizer: eu não pensei nada, pois os pensamentos que tive foram acontecendo em mim e não coisas que eu decidi pensar. A maior parte dos nossos pensamentos não são nossos, são deles, que, numa atitude tirânica, se impõem, como déspotas orientais, a nós. Acontece, e não é raro, as pessoas serem vítimas dos pensamentos que nelas se pensam. Ficam obsidiadas pelos invasores, cercadas pela torrente de ideias que as assaltam. A certa altura, fazem coisas que nunca fariam senão fosse a impertinência daquele inimigo que tomou conta delas. Quantos crimes se evitariam caso as pessoas soubessem pôr os pensamentos que nelas se pensam ao longe? Serão elas culpadas dos seus crimes? São culpadas de não resistirem ao cerco dos pensamentos e, por isso, são cúmplices desses pensamentos. Contudo, enquanto caminhei não pensei em nada disto, mas não consigo já recordar o que pensei. E esta é uma grande virtude que possuo. Esquecer-me de coisas que não merecem recordação. Talvez seja a única, e mesmo isso é duvidoso.
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