sexta-feira, 29 de novembro de 2024

O alvedrio das coisas

O mundo das coisas é o mais equívoco dos mundos. Estamos convencidos de que elas são destituídas de vontade. Presunção nossa. Já nem falo do arbítrio dos carros, que decidem avariar-se no momento mais impróprio, ou dos pneus, que se deixam perfurar quando mais precisamos deles. Os livros são coisas e, como coisas que são, não se furtam à equivocidade existencial, nem a ostentar um alvedrio que nós, pobres seres humanos, somos incapazes de explicar. Por exemplo, uns tendem a desaparecer. Escondem-se e, por mais que os procuremos, furtam-se à nossa determinação policial. Outros, porém, surgem duplicados. Umas vezes, um ao lado do outro; outras, um num lugar e outro noutro. Uma coisa que acontece com frequência é procurar-se um livro e encontrar-se dois iguais que não se procuravam. No caso de dois iguais, há uma modalidade interessante, que começa a ser recorrente: um deles disfarça-se e apresenta-se com uma capa diferente, mas, por dentro, é igual. O que, a acreditar em Leibniz e na sua teoria da indiscernibilidade dos idênticos, quase nos permite dizer que são o mesmo livro. Lá fora, uma criança canta, baloiçando-se no parque infantil. Em casa, uma música fora dos meus hábitos acompanha a adolescência da minha neta mais nova. O livro que procuro continua a insistir em esconder-se. O que vale é que amanhã é sábado.

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