Leio os versos: A nado, na entrada, por um quinto degrau, / acede-se ao algibe. Análoga série de subida / guiando-nos a um cubículo iluminado por cera, / miradouro de sedação, cerimonial gongo de zinco. Pertencem a um poema de Joaquim Manuel Magalhães. O poeta, já bem entrado na idade, quase que renegou toda a sua obra poética. Condensou-a, drasticamente, em Um Toldo Vermelho, publicado em 2010. Em 2018, publicou Para Comigo. O poema citado pertence a Canoagem, de 2021. Tudo editado pela Relógio d’Água, uma das editoras portuguesas com melhor catálogo, embora isto de melhor e de pior dependa do gosto do leitor. Eu sei que esta posição é relativista – melhor, subjectivista – mas, mesmo que exista um critério universal e indiscutível para medir as escolhas estéticas das editoras, ninguém o conhece. Esse desconhecimento, submete este tipo de avaliações ao que agrada ou desagrada a cada um. E se eu oferecer um critério sólido, logo aparecerá alguém a oferecer outro critério tão sólido quanto o meu. Perdi-me. Citei o poema e entrei por critérios de avaliação estética, digamos assim. O que me trouxe à citação do poema foi uma palavra, algibe. Uma palavra de origem árabe – a mesma origem de aljube – e que significa cisterna. Ora, desconhecia a palavra. Ela obrigou-me a ir ao dicionário e o excerto ganhou outro sentido. O efeito poético reside não numa metáfora cintilante, mas na raridade do uso de uma palavra. O estranhamento pode existir na própria literalidade, basta o recurso a um termo em desuso. A escolha de algibe, por outro lado, acaba por estabelecer uma ligação semântica com aljube. O árabe al-jubb não significa prisão, mas cisterna. O que aprendemos, então, é que toda a cisterna se pode transformar num cárcere. O mundo está cheio de metamorfoses.
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