O Outono vestiu as roupas do Inverno e, agora, distribui frio e chuva pelas ruas. Oiço uma voz feminina a queixar-se: ainda ontem saí à rua de manga curta e hoje já tive de me vestir como nos dias frios. As pessoas falam do tempo para terem assunto — um tema nobre que não implica dizer mal do próximo. Também eu falo do tema por falta de assunto, embora não faltem assuntos nobres, mesmo nobilíssimos, para discorrer. Será que o centauro existe ou é apenas um nome? Outro, não menos nobre: os buracos — por exemplo, os buracos de um queijo — existem? Uma outra possibilidade seria escrever sobre se existe uma coisa como a vermelhidão ou, ainda mais interessante, sobre se existe uma realidade denotada pela palavra humanidade. De todos estes assuntos, o que me interessa mais é o centauro, a que poderíamos associar a sereia e todos os seres desse género. Chamei-lhes seres, e isso pressupõe já um compromisso ontológico, isto é, a afirmação de que têm alguma forma de existência e não são puros nomes. Há quem pense, por exemplo, que esses seres têm uma existência potencial. Não existem actualmente, mas podem vir a existir; podem passar da potência ao acto, para usar o jargão de Aristóteles. Não partilho deste ponto de vista, pois estará fundado numa analogia sem fundamento. Imaginemos o projecto, desenhado por um arquitecto, de uma ponte sobre o rio desta terra onde me acolho. O projecto será a ponte em potência; a construída, a ponte em acto. Ora, não me parece plausível tomar o centauro ou a sereia como projectos, seres potenciais que dariam lugar a seres actuais — aquilo a que se chama reais. E, no entanto, discordo daqueles que negam a existência de centauros e sereias. Existem na imaginação de seres como os homens. Não têm uma existência material, mas mental. Melhor: imaginal. E todos nós sabemos reconhecer uma sereia ou um centauro, apesar de nunca os nossos sentidos terem tido qualquer contacto com eles. É por estas e por outras que mais vale falar do tempo.
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