Esta facilidade comunicacional não traz nada de bom. Que o diga a minha neta mais nova: a mais de cem quilómetros de distância, está sob fogo intenso. Consta que vai ter um teste de qualquer coisa — não sei se de Geografia ou de Física — e a avó não lhe dá um minuto de descanso. Ela que acorde, que leia a questão, que oiça. Imagino as caras que fará. Tenho de procurar um restaurante que tenha alguma coisa que lhe agrade para a levar no fim-de-semana, pois vem para cá continuar a saga do estudo. Na semana que vem, terá quatro testes. De facto, a escola é uma fonte de infelicidade inominável. Penso, não poucas vezes, que nunca recuperei do choque de, num dia oito de Outubro, uma segunda-feira, ter nela entrado. Tenho, claro, uma alma inclinada para a irresponsabilidade e levei quase toda a minha vida a disfarçar-me de pessoa absolutamente consciente dos deveres. Se enganei os outros — o que me parece plausível —, nunca me enganei a mim. Nunca acreditei na minha responsabilidade. Fazia o que tinha de fazer, mas sem qualquer fé no sentido daquilo que fazia. Ora, a entrada na escola é o momento em que uma alma livre se submete para sempre aos imperativos soturnos do princípio de responsabilidade. Entra-se nesse campo minado e nunca mais se sai de lá, mesmo quando a escola ficou já bem para trás. A minha neta resiste, mas acabará por se submeter. O que me preocupa, porém, é descobrir um restaurante por aqui que ela ainda não conheça.
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