segunda-feira, 7 de abril de 2025

Conjugações

A minha mente, cujo controlo estou longe de possuir, é assaltada, não poucas vezes, por associações que me deveriam envergonhar. Se não a mim, ao menos a ela. Essas associações ocorrem-me sem que eu faça alguma coisa para essa ocorrência. Sofro-as. Há pouco dei com essa tal mente a que chamo minha – mas será? – a associar o Ludwig Wittgenstein do Tractatus Logico Philosophicus com o James Joyce de Finnegans Wake. Como é possível? Perguntei-me, não sem condescendência e com alguma falta de paciência. Wittegenstein no tempo em que escreveu o Tratactus devia andar a treinar para asceta. Asceta da linguagem. Limpar toda a linguagem dos seus pecados mortais e mesmo dos veniais. Esse seu tormento com as acrobacias da linguagem que diz coisas para as quais não encontramos referentes sensíveis, resume-se numa frase famosa acima de todas as frases famosas do filósofo austríaco: Acerca daquilo de que não se pode falar, tem de se ficar em silêncio. Caso levasse em consideração o imperativo wittgensteiniano, não abriria a boca e os meus dedos não tocariam nas teclas do teclado para escreverem aquilo que escrevem, coisas sem referência empírica no mundo. E o Finnegans Wake? Bem, esse é o contrário. Poderíamos, a partir dele, dar uma nova versão da última frase do Tratactus: Acerca daquilo de que não se pode falar, tem de se gritar. Sim, eu sei, o grito é deselegante, basta ver a cara da personagem de O Grito, do Edvard Munch. Dizem que ele está aterrorizado ou coisa que o valha, mas apenas está numa pose deselegante, a gritar qualquer coisa que devia ser calada, mas que ele – e eu estou de acordo com ele – julga ser importante ser gritada ao mundo. O Finnegans Wake do Joyce é O Grito do Munch em forma de literatura, centenas de páginas para contrariar o austríaco. Ou será para estar de acordo com ele? Isto é o que se passa na minha mente, quando foge à minha vigilância, o que é norma. Sonhei – um dia – em ter uma mente domesticada, uma mente à minha medida de animal doméstico, mas a cabra – que me seja desculpada a queda na linguagem baixa – furta-se ao açaime, pensa o que não deve e conjuga o inconjugável e assegura-me, pomposa, que tanto um como o outro estão mais próximo do que eu penso. Isto é a minha mente a atirar-me à cara a ignorância infinita que me pertence.

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