Deveria escrever textos mais curtos. Vivemos na pós-modernidade, e esta exige textos da dimensão de um tweet — embora essa expressão possa já ter caído em desuso, pois o Twitter tornou-se X. Dito de outro modo: deverei ser ou não ser um pós-moderno? Isto, porém, não me atormenta. O que me mortifica é a ingratidão dos objectos. Sim, as pessoas adoecem só de pensar na ingratidão dos outros — mas eu, não. Um herói pós-moderno (talvez o seja) preocupa-se com outro tipo de questões. O caso é simples: tenho uma balança com a qual mantenho uma relação conflitual. Contudo, perdeu energia e eu, num gesto de benevolência, comprei-lhe uma pilha, salvei-lhe a vida. Agradeceu? Mal a pisei, devolveu-me um quilo a mais do que da última vez. Em vez de gratidão, justicialismo. Que as pessoas sejam ingratas, percebe-se — há nelas uma inclinação para o mal. Que os objectos, onde não existem inclinações, apenas regras mecânicas, o sejam — isso sim, deveria pôr-nos em estado de choque. Disse-lhe: A próxima vez que estiveres morta, deixo-te assim por uns meses. Como resposta, acrescentou trezentos gramas ao peso anterior. Ficou a olhar para mim com aquele ar estúpido de balança, o que me deixou constrangido e levou-me, para minha vergonha, a explicações que soaram como desculpa: o mau tempo impede-me as caminhadas. Ela bocejou — e, naquele bocejo, havia todo o desprezo deste mundo e do próximo. Estas são as verdadeiras tragédias da pós-modernidade. Sobre elas, há que escrever pouco, pois pouco há para dizer. Hoje é domingo — e, depois disso, a única coisa que me ocorreu é que amanhã será segunda-feira, a não ser que também a organização da semana de sete dias tenha aderido à pós-modernidade e pratique a ingratidão de confundir os dias na vida dos mortais.
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