A casa sossegou. Filhos, netos, famílias. Tudo isto é a memória de um tempo, já distante, onde o calendário religioso tinha impacto na organização da vida. Entre a vida e o calendário religioso cresceu um muro, que aqui e ali abre uma fresta e permite uma contaminação da vida pelo que resta da tradição. O almoço de Domingo de Páscoa não é mais do que um almoço profano, onde é possível juntar todos. Ontem estava a ouvir uma entrevista dada há um ano pelo historiador, antropólogo e demógrafo Emmanuel Todd. A certa altura, ele referia que os ocidentais evacuaram a religião e ficaram sem nada que dê sentido à sua existência. Há muito que percebi que, independentemente da existência ou não de Deus, a religião é uma vantagem competitiva da espécie na sua adaptação ao ambiente. É uma compensação da lucidez que a racionalidade traz ao homem. Um olhar lúcido vê a vida como um intervalo entre dois nadas. As religiões deram-lhe um sentido e um princípio de esperança. E isso permitiu à espécie evitar confrontar-se com o absurdo de uma existência que se resolve no nada. Talvez exista uma correlação entre o crescimento da descrença religiosa e a regressão demográfica, mas não conheço os dados empíricos. Os séculos XVIII e XIX ocidentais encarniçaram-se com a religião por esta ser um embuste, uma falsificação da realidade. Ora, a essa obstinação irreligiosa faltou fazer, com a seriedade de quem quer perceber um fenómeno, a pergunta fundamental: por que razão a humanidade, no seu processo evolutivo, teve necessidade de criar esse mundo a que se dá o nome de religião? Certamente que encontramos essa pergunta formulada, explícita ou implicitamente, em autores importantes, mas ela tem sempre a mesma natureza: é uma pergunta retórica, uma pergunta que não quer compreender, mas apenas suportar uma tese prévia. Estou soturno. Talvez porque a casa ficou vazia e o Domingo de Páscoa, mesmo para mim, não é mais do que um domingo.
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