quarta-feira, 2 de abril de 2025

Poesia e prosa

Numa brevíssima introdução à sua obra poética, A uma hora incerta, Primo Levi diz que o impulso para se exprimir em versos está presente em todas as civilizações, mesmo naquelas que não têm escrita. Admite que também ele, a uma hora incerta, cedeu a esse impulso. E acrescenta: ao que parece, está inscrito no nosso património genético. E como outros, reconhece que a poesia nasceu antes da prosa. Somos levados a pensar, então, que a nossa natureza é poética e que a prosa nasce de uma reflexão sobre a poesia. Podemos estabelecer uma analogia com as teorias do contrato e a instauração da sociedade política. O estado de natureza selvagem – impulsivo – e o estado civil como resultante de um contrato reflexivo entre os homens. Contudo, esta interpretação das teorias do contrato é ingénua. As teorias do contrato não estabelecem uma linha histórica, onde, num primeiro momento, viveríamos no estado de natureza – o homem lobo do homem – e, perante a falência da vida humana, chegaria um segundo momento, onde os homens estabeleceram o contrato. Estado de natureza e estado civil são duas possibilidades sempre presentes nas comunidades humanas. Por norma, vivemos no estado civil, mas, se o contrato entre nós falha, caímos no estado de natureza. Voltando a Primo Levi. A ideia de a poesia ser anterior à prosa será falsa. Ambas são possibilidades sempre presentes – e presentes desde sempre – no homem, pois nascem de dois impulsos que estão, por certo, inscritos no seu código genético: o de exprimir-se e o de comunicar. Mais, entre eles não há uma oposição, mas uma linha contínua, onde não existe fronteira clara entre a expressão poética e a comunicação prosaica. Como na organização das comunidades humanas, o estado de natureza e o estado civil estão sempre presentes, o mesmo se passa na linguagem: poesia e prosa são possibilidades sempre presentes. Há, porém, uma diferencia essencial. Passar do estado civil ao estado de natureza é uma queda de funestas consequências, mas transitar da comunicação prosaica para a expressão poética é, não uma queda, mas uma elevação, o sinal de um desejo de ascensão.

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