quarta-feira, 16 de abril de 2025

Lapelas e colarinhos

Não sei o que pensar de mim. Isto acontece a muito boa gente, e talvez eu não seja tão bom assim. Passei, durante a hora de almoço, pelo canal Mezzo e deparei-me com um documentário sobre o violinista Itzhak Perlman. Fiquei siderado. Não com o virtuosismo do violinista, mas com as lapelas dos casacos que se usavam quando o programa foi realizado, talvez nos finais da década de setenta do século passado. Quando dei por isso, Perlman estava no estúdio, vestido informalmente, e conversava com os técnicos, suponho. Estes estavam de fato e gravata. Aquela época, pensei de imediato, só podia ser um tempo em que se cultivava a hipérbole, de tal maneira as lapelas eram enormes, uma espécie de asas que assentavam sobre o peito dos homens. A indumentária interessou-me, e reparei, de seguida, nos colarinhos das camisas. Também eles enormes. Sim, eu vivi aqueles dias, mas a memória já os apagou — Deo Gratias. Quereriam os homens, nessa era infausta, apassarar-se? Pertenceriam a uma seita da asa grande ou da super-lapela? Julgar-se-iam descendentes de Ícaro e que acabariam por levantar voo? Há épocas em que as lapelas se estreitam até ao limite do verosímil — se é que o verosímil tem limite — e em que os colarinhos das camisas se tornam tão discretos que mal se vêem. Talvez a moda seja cíclica, mas não sei nada do assunto. Admitamos, porém, que é verdade: a moda cumpre uma espécie de ciclo de eterno retorno, como aquele que existe na natureza. Isto significaria que teríamos épocas de grande expansão de lapelas e de colarinhos, e épocas de enorme retracção. Épocas de um optimismo desmedido e épocas de um pessimismo sem freio. Que nos diz tudo isto da espécie humana? A conclusão é simples: sofre de bipolaridade crónica. Isto é, não regula bem. Por mais que se tente educá-la na prudência e justo meio de Aristóteles, ela nunca deixa de ceder à mania das grandezas ou ao terror da pequenez. Estes são os meus pensamentos, e é por causa deles que não sei o que pensar de mim. Tenho de ir espreitar as lapelas dos casacos que estão cá por casa.

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