sábado, 5 de abril de 2025

Uma chamada matinal

Acordado até às quatro da manhã. Pouco passavam das oito, quando chega uma chamada telefónica. Perdido, pego no telemóvel. Era o meu neto, em chamada-vídeo, à revelia dos pais, a perguntar-me se estava em Lisboa. Nem percebi. Não, não estou, respondi quando compreendi o ele estava a dizer. O avô está no escuro, ouvi. Acendi a luz do candeeiro. Lentamente, fui chegando à realidade. Era só para saber – informou – se o avô quer ir ao torneio de râguebi. Não devo ter pensado coisas agradáveis, mas disse que estava longe. Anuiu, depois mudou de conversa. Acabou a ler-me qualquer coisa de um livro da escola, mas informou-me que o texto tinha letras que ainda não tinha dado. A conversa prolongou-se até o pai o mandar despachar para ir ao torneio. Decidi seguir-lhe as pisadas e levantei-me. Não para ir a qualquer torneio, mas para ir fazer umas compras, antes que o hipermercado se enchesse de clientes ansiosos. Esta é uma história moral. Os netos têm um poder de dissensão sobre o mau humor dos avós poderosíssimo. Ao ver a cara dele no telemóvel, nem me ocorreu protestar, quanto mais ficar irritado. Quando declinamos, eles são a nossa continuidade e isso, descobri-o, é consolador. Descobri outra coisa. Que essa continuação por terceiros é muito mais justa e melhor do que uma continuação indefinida pelo próprio. Pode-se dizer que não tenho outro remédio. É verdade, mas não é apenas uma mera conformação com a natureza das coisas. É conceder que há sabedoria nessa natureza e acabar por amá-la, não porque seja um poder cujos decretos são irremissíveis, mas porque dela se desprende uma luz que ilumina o mundo.

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