Pior do que a angústia do guarda-redes no momento do penalty, era a do bebedor de café nos dias de Natal e de Ano Novo. Naqueles tempos em que se frequentava cafés, estes tinham uma prazer sádico em fecharem as portas nos dois dias em que eram mais necessários. Numa vila de província, o que então esta cidade era, havia um desporto. Encontrar um café que tivesse rompido a concertação dos proprietários e oferecesse aos seus clientes – e aos dos concorrentes – a oportunidade de tomar um café a sério, e não aquele que se podia beber em casa, por melhor que fosse o lote e a cafeteira Bodum, passe a publicidade, e outras engenhocas como cafeteiras de êmbolo, sistemas de filtro, cafeteiras de balão ou vácuo. Sim, o café era excelente – quando era –, mas nada que se comparasse a um café no café, que naquele tempo dava pelo nome de bica, aqui para estes lados, e, lá para cima, de cimbalino. É verdade, tomei bicas e até cimbalinos. E resisti. O pior era encontrar naqueles dias um sítio que abrisse as portas e os servisse. Isto é a minha experiência de habitante de uma pequena vila, de um vilão, para ser mais exacto. Depois, nem Deus sabe a razão, a vila foi elevada a cidade. Houve uma metamorfose, embora seja imprecisa a sua natureza: os cafés terão começado a abrir naqueles dias aziagos ou terei deixado de ir ao café? Talvez as duas coisas, mas não consigo precisar o que aconteceu. Os tempos mudaram, os próprios guarda-redes deixaram de se sentir angustiados no momento do penalty, e eu bebo café em casa, numa daquelas máquinas que mói o café e oferece uma bebida digna de ser bebida com devoção, dependendo do lote, da angústia do bebedor e do penalty ser a favor ou contra a sua equipa. Sim, os guarda-redes já não sentem angústia, mas o adepto sente. O que não é o meu caso. Sou um adepto não praticante, e mesmo o café bebo com moderação, não vá o árbitro mostrar-me cartão vermelho. O que me custa é que a cidade não seja promovida a vila, coisa que era no tempo da fundação da nacionalidade, que eu seja considerado um citadino, conquanto a minha alma continue a ser a de um vilão, que um dia bebeu bicas e cimbalinos e sentiu, na busca por um café aberto, a angústia do guarda-redes no momento do penalty, isto para dar um ar de erudito e citar Peter Handke.
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