sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Um mistério

Num dos livros, em segundo mão, que comprei online e que me chegou ontem, havia, por baixo da dedicatória do autor a um seu amigo, uma assinatura de posse e a indicação do mês – Novembro – e do ano – 1964. O nome é feminino e a assinatura é clara, permitindo o nome da desconhecida proprietária da obra. Procurei, dentro do livro, mais vestígios daquela mulher, em vão. A única coisa que me resta é um nome próprio composto por dois, um que caiu em desuso e outro, Maria, que parece nunca ter passado de moda, seguido de um apelido reduzido à inicial e um outro completo. A letra, apesar de muito bem desenhada, afasta-se dos estereótipos da letra feminina da época. Quem em 1964 leria, em Portugal, Ignazio Silone, o autor do pequeno romance A Raposa e as Camélias? Talvez a detentora do livro fosse professora num Liceu de província. Para matar as horas enxameadas da melancolia do interior, lia romances. Talvez fosse uma leitora contumaz, uma intelectual em formação, em tempos de universidade. Não. Prefiro-a como professora, ainda no início de carreira. Sem marido. Claro que ela, tal como a vejo dentro da sua letra, merece um marido, mas esse tipo de coisas pouco tem que ver com o mérito. Há nela, percebo-o pelo modo como coloca o hífen entre Novembro e 1964, uma beleza discreta, rodeada por um leve pudor e uma segurança que afastaria os homens. Todos? Ela esperava que não, disso estou certo. Se casou, perguntam-me. Ainda não o sei. Só saberei se, um dia, num outro livro comprado num alfarrabista vier uma assinatura de posse com aquela letra, aquele nome adornado com o acréscimo de um apelido. Se ela tivesse menos vinte anos, por certo não me importaria, tal como a vejo no desenho da sua letra, que fosse o meu. Não foi, ela não tinha menos 20 anos.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.