domingo, 14 de dezembro de 2025

Um jesuíta não se reforma

Há muito tempo que não o ouvia, disse, respondendo à saudação vinda pelo telemóvel. Tenho andado ocupado. Uma viagem a Itália, assuntos de família, e actividades da Companhia. Quando é que um jesuíta se reforma, perguntei ao meu amigo, padre Lodovico Settembrini, padre Lodo, como é conhecido. Um jesuíta nunca se reforma, respondeu. Pode é não ter forças para prosseguir no caminho. Por vezes, vão me faltando, mas, apesar dos oitenta terem chegado já há uns anos, ainda resisto. Uma questão de persistência, sublinhei. Isso, respondeu, mais do que resisto, persisto, sem problemas de maior, talvez um pouco surdo e algum reumático, mas há uns santos analgésicos que ajudam a suportar as crises, disse. Na verdade, continuou, a actividade é reduzida, o que me dá tempo para ler. O que anda a ler? Jon Fosse, respondeu. Quer descobrir a razão por que ele se converteu, perguntei. Não tenho essa ilusão. O que leva as pessoas a converterem-se, nem as próprias sabem. Foi o que aconteceu consigo? Claro, uma improbabilidade, mas aqui estou. Voltando ao norueguês, prosseguiu, parece um exercício litúrgico em forma de narrativa. Há uma iteração constante, respondi, e iteração por iteração, prefiro o Thomas Bernhard. Ouvi um riso. Sim, sim, é a sua costela de cínico misantropo, mas eu acho, continuou, que, mais tarde ou mais cedo, vai preferir Fosse a Bernhard. Talvez eles sejam estações num caminho. No início, o austríaco e, no fim, o Fosse. Não foi, porém, para discutir literatura que liguei, mas para saber quando vem a Lisboa. Descobri um belo restaurante para os lados da Lapa, onde se podem experimentar pratos dos sítios por onde os portugueses andaram. Podemos juntar o grupo. Respondi, que marcasse o dia. Contudo, informei, estou condenado à frugalidade. Estamos no Advento, não na Quaresma, ouvi. Imagino, disse eu, mas, por questões de saúde, entrei para uma Quaresma sem fim à vista, a não ser aquele que está destinado a cada um. Uma cedência pontual à gula, respondeu, não é pecado mortal. Ri-me.

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