Acontece a muitos filósofos – dos mais importantes – aquilo que acontece às pessoas comuns que evitam dedicar-se à filosofia: com a idade, mudam de ponto de vista. Isto devia fazer suspeitar aos filósofos que as suas teorias são fruto da idade, o que introduz o mais terrível dos relativismos. Ora isto pode levar-nos para uma mar tumultuoso. O que pensaria Platão aos 120 anos? E Kant, aos 150, ainda aceitaria a fase crítica, aquela que lhe trouxe a glória e um lugar especial no altar da capela filosófica? Fala-se no primeiro e no segundo Wittgensteins. Também existe um primeiro Heidegger e um segundo. Mas se eles vivessem 250 anos, quantos haveria? Seriam tantos quantos os heterónimos de Fernando Pessoa? Não o podemos saber, mas temos direito a desconfiar que seriam legião, caso os filósofos fossem verdadeiros matusaléns, com direito a quase mil anos de vida. Mudariam, pelo menos, vinte vezes de posição. O que lhes valeria é a existência de um secreto armazém onde se guardam milhares de milhões de posições filosóficas possíveis. Portanto, não haveria perigo de o mercado se esgotar, desde que houvesse talento para as descobrir, abandonando, sem piedade, as anteriores. Renegando-as, caso fosse necessário. Uma pessoa comum, como este narrador, não precisa de se dedicar à filosofia, para mudar de ponto de vista. Basta acordar com o desejo de ver as coisas de outro modo. Procuro no armazém e passo a ver as coisas de outra maneira. O mais interessante, porém, é que as coisas são de grande cordialidade. Não se revoltam, nem sequer protestam. Aceitam impávidas e silenciosas as minhas idiossincrasias, e ainda mais as dos filósofos. Esta falta de temor das coisas radica numa certeza que as habita: os humanos podem mudar mil vezes de ponto de vita sobre nós, isso, porém, não altera um grama aquilo que somos, coisa que nunca saberão. Que envelheçam a coleccionar pontos de vista como, antigamente, os rapazes coleccionavam cromos da bola.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.