terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Frugalidade imoral

Enquanto contemplava a chuva, dei por mim a pensar sobre o Abade de Mably (1709-1785). Não teria grande vocação eclesiástica; interessava-o, fundamentalmente, a filosofia política e a economia. Pode ser contado entre os precursores da vaga de igualitarismo que explodiu no século XIX, com repercussões ainda no XX. Para além do igualitarismo, tinha opiniões ao arrepio da cosmovisão em que vivemos. Por exemplo, defendia a ideia de que o luxo e o comércio excessivo corrompem. Pior ainda: o Estado deve promover a frugalidade. A justa medida – para evitar o excesso e a corrupção dos costumes – e a frugalidade são ideias moralmente valiosas, mas que os nossos dias não suportam. Se todos formos frugais e evitarmos o excesso de consumo, a economia mundial entrará em colapso, com repercussões nos rendimentos da generalidade dos seres humanos. No mundo de hoje, será pouco caridoso ser frugal. A sobriedade e a moderação podem ser boas para o indivíduo, mas não passarão de um exercício egoísta. Um egoísmo que recusa, em nome da moral, oferecer ao seu ego todos os objectos dos  seus desejos possíveis e mesmo alguns dos impossíveis. Talvez exista um problema qualquer quando aquilo que é moralmente saudável se torna um problema para os outros. A moralidade, que nasceu da necessidade de respeito pelo outro, tornou-se uma imoralidade. Também a chuva que há pouco caiu foi frugal. As nuvens recusaram-se a verter mais água, retiraram-se e deixaram o sol brilhar. Uma conduta imoral, pois sempre precisamos de água para encher as barragens e podermos consumi-la segundo o excesso que a nossa virtude contemporânea exige.

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