Pego no livro de haikus de Bashô e leio um. Não é bem ler,
antes uma tentativa, condenada ao fracasso, de escutar o sentido, o fundo
sentido que, apesar da tradução, ainda deve ecoar no texto. Escreveu o poeta ou
o tradutor: “para não morrer no outono / a borboleta bebe o orvalho /
depositado sobre o crisântemo”. Não sou japonês, não pratico o Zen, e tudo o
que ressoa em mim é o desespero da borboleta que, por um jogo fácil de
associação, me faz lembrar os homens neste Outono português. Olho a manhã e duvido
que tenha havido, mesmo na primeira aurora, orvalho sobre os crisântemos. E uma
pergunta assalta-me: haverá este ano crisântemos suficientes para que a memória
dos mortos não feneça e os vivos se sintam reconciliados com o outro mundo?