A noite ruge de uma forma muito distinta do dia. Oiço-a
murmurante e no murmúrio descortino a ameaça. Exceptuando talvez a primeira
juventude, nunca fui um animal noctívago. Talvez me dê mal com as potências das
trevas e prefira, sem hesitação, deixar vaguear os olhos sobre as coisas
iluminadas pelo Sol. Alguém fecha uma persiana, um carro passa na avenida, mas
a noite continua, levada pelo seu rugido, a deslizar para a madrugada. O pior é
não haver por aqui um galo. Quando cantasse, saber-se-ia que o dia se aprestava
para estilhaçar a parede negra com que somos envolvidos. Um galo a Asclépio devia
Sócrates na hora da morte. Um galo é o que todos devemos quando a noite se
aproxima.