Por vezes, compro cadernos. O papel em
branco fascina-me. Imagino, então, que os posso encher com aquilo que me venha
a ocorrer. Sou muito hábil em produzir justificações deste género. Tivesse eu
talento para outras coisas como tenho para a justificação. Depois, chego a casa
e arrumo-os e eles desaparecem da vista, do coração e até da memória. Poderia
desconfiar que há em mim uma propensão para a acumulação. Nada de mais errado.
Acabo por dá-los. Substituo a utilidade pela caridade. As minhas netas estão
naquela idade em que precisam mesmo de um caderno que, rapidamente, se há-de encher
de desenhos ou de jogos cujas regras me escapam ou, o mais provável, me seja
vedado o conhecimento. Nunca é, contudo, o desejo de agradar aos outros que me
leva a comprar esses cadernos. É a textura do papel ou a brancura da página rasgada
por linhas de cor indefinida, se escolho um pautado, ou, acima de tudo, a
necessidade que tenho de anotar neles o que me há-de ocorrer. Há décadas que não
escrevo uma linha em papel.