Thomas Bernhard é, dos autores
do século XX, um dos que mais gosto. Na sua escrita não há qualquer facilidade
nem concessão ao bom gosto e ao agradável. Talvez a sua história pessoal ou a
doença pulmonar de que sofria – e de que viria a morrer – o tenha predisposto
para um feroz pessimismo e para o cultivo do escárnio. Isto para além de um
contumaz ressentimento perante o seu país, a Áustria. Em Betão (1982),
escreve o seguinte: As pessoas têm um cão e são dominadas por ele, o próprio
Schopenhauer não se deixou guiar pela sua cabeça, deixou-se guiar pelo seu cão.
Este facto é mais deprimente do que qualquer outro. No fundo, não foi a cabeça
de Schopenhauer que determinou o seu pensamento, mas o cão de Schopenhauer, não
foi a cabeça de Schopenhauer que odiou o mundo, mas o cão de Schopenhauer. Não
é preciso ser-se louco para afirmar que Schopenhauer teve um cão no lugar da
cabeça, mas não teve cabeça. A leitura de Bernhard não é para pessoas que cultivam
o optimismo ou que pretendem salvar a sua existência cultivando a ilusão das
coisas boas deste mundo. Também não é própria para quem tem sonhos
progressistas e está sempre em luta por um mundo melhor. Curiosamente, a
diatribe contra Schopenhauer contém ainda um princípio de esperança, o qual se
revela em muitas outras passagens de múltiplas obras do escritor austríaco. Há
na sua denúncia da hipocrisia humana um desejo – pelo menos, um desejo – de encontrar
um território onde as pessoas possam encarar-se a si mesmas, suportar o que são
e, presume-se, estabelecer relações mais saudáveis com os outros. O texto
citado pertence a uma colecção de obras ficcionais das Edições 70, denominada Caligrafias.
Era dirigida por Eduardo Prado Coelho e, como seria de esperar, constituída por
grandes obras literárias. Foi nessa colecção que li a trilogia Os Sonâmbulos,
do também austríaco Hermann Broch. Começo a ficar preocupado com esta prática
da reminiscência. Prova, como pensa Paul Raison, personagem de Aniquilação,
o último romance de Michel Houellebecq, de uma vida falhada. Hoje estou preso
neste mundo de papel que é o romance. Vou de Thomas Bernhard a Michel Houellebeq,
passando por António di Benedetto, de que comprei há pouco Os Suicidas.
A verdade, porém, é que também eu sou um narrador e, não passando de um ser de
papel – neste caso, nem isso, sou um ser virtual num monitor – só os mundos
ficcionais são o meu mundo. Digo mundo e não realidade, pois esta, como se
sabe, é insuportável e, para mim, inacessível.
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