Uma onda de calor. Não bastava o calor, ainda tinha de vir em onda, por certo análoga àquelas ondas gigantes da Nazaré que parecem levantar-se para submergir este pobre país. Como há surfistas para essas ondas nazarenas, também, imagino, os haverá – que nome lhes dar? – para as ondas gigantes de calor. Por mim, um mero narrador sem narrativa, dispenso as duas. Tenho dias em que sigo uma filosofia portuguesa que se resume na máxima o melhor é não fazer ondas. Um dia por outro, contudo, gosto de provocar alguma ondulação, talvez uma manifestação saudosa dos tempos em que achava que a vida era provocar ondulações e que os seres humanos deveriam ser todos surfistas dessas ondas existenciais. Coisas da pós-adolescência e primeira juventude. Há quem fique assim até que a morte o leve. Acontece mais aos homens do que às mulheres, mais sensatas e pragmáticas. Os homens – refiro-me aos machos da espécie – têm mais propensão do que as mulheres para permanecerem eternas crianças. Consta que também os gregos da antiguidade clássica eram tidos, pelos egípcios, como eternas crianças, se for verdade o que um certo Aristocles – alcunhado de Platão – contou. Como em tudo, também sobre o nome de Platão há larga controvérsia. Uns acham que era alcunha, outros, nome verdadeiro, e que em Atenas existia mais gente com o nome de Platão. O filósofo – para dizer a verdade, talvez o único filósofo que jamais houve ao cimo da Terra – tinha uma certa tendência não tanto para o surf, mas para fazer ondas. Tantas fez que o seu nome e até os seus escritos chegaram até hoje, aproveitando as marés. O que me intriga é não saber como se relacionava ele com as ondas de calor, pois não consta que tenha vindo à Nazaré ver as ondas gigantes. Chamo a atenção para que o facto de não constar que tenha vindo não é prova suficiente que o não tenha feito. Sábado e calor perturbam-me os raros neurónios que tenho em funcionamento. Também o aparelho neuronal tem serviços mínimos, quando há greve.
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