O que me haveria de acontecer. Chegar a esta idade e ser posto perante problemas morais. As minhas netas têm um cão, ainda não será completamente adulto. Eu não sou muito atreito a estabelecer relações interespecíficas. Não faço mal a uma mosca, quanto fará a um mamífero. Contudo, os animais domésticos – ou selvagens – não exercem sobre mim qualquer fascínio, nem sinto que tenha de comunicar com eles. Imagino um pacto como o horizonte da minha relação com as outras espécies. Não lhes faço mal, elas não me fazem mal. O cão, a que deram nome de pessoa o que, por vezes, provoca situações equívocas, insiste em ser meu amigo. Senta-se diante de mim, se é que os cães se sentam, levanta a cabeça e põe-se a olhar fixamente para a minha pessoa. Só lhe falta dizer: podemos ser amigos? Olho-o de esguelha e resmungo que ele quer é que eu lhe dê algum tipo de comida. Os animais domésticos são uns oportunistas, penso, e volto-lhe as costas. A insistência no pedido de amizade começou a levantar-me problemas morais, como disse. Será que sou um malvado de um especista? Bem, esta pergunta é retórica. Eu sou, até prova em contrário, um especista. Advogo, com profunda convicção, que a espécie humana, apesar de não ser grande coisa, é superior a todas as outras conhecidas. Poderei afirmar que sou um kantiano. Os seres humanos sendo pessoas são fins em si mesmos. Os animais não sendo pessoas, não são fins em si mesmos. Esta superioridade implica certas coisas, como deveres para com as outras espécies. Não as maltratar, por exemplo. Contudo, não pode implicar que aceitemos os pedidos de amizade que cães, gatos e outros animais não humanos nos façam, quando se põem a olhar para nós como se fôssemos um santo no altar. Quem tem Facebook é obrigado a aceitar todos os pedidos de amizade que lhe são enviados por outros seres humanos? Tanto quanto sei, ninguém é obrigado a isso. Por que razão haveria de aceitar esses pedidos vindos de seres não humanos? Será a minha conduta imoral?
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