Meu Deus, como foi possível eu não dar por isso? E ao não dar por isso, não pude associar-me à comemoração. Um erro imperdoável. Ontem, dia 19 de Julho, comemorou-se o Dia do Aparelho Dental. Devido à minha contumaz distracção, temo que exista um Dia da Omoplata de Platina e eu não saiba. Só espero estar atento para, caso haja um, não perder o Dia do DIU. Não se trata de um dia referente ao território de Diu que fazia parte daquilo a que se chamava a Índia portuguesa. Quando andei na escola primária ainda se estudava como fazendo parte de Portugal Goa, Damão e Diu, apesar de serem já Índia indiana. Estou mesmo a falar do DIU, do dispositivo intra-uterino. Se o aparelho para os dentes tem um dia, por que razão haveria de ser recusado um ao aparelho para o útero, o qual tem uma utilidade incomensuravelmente maior do que dispositivo para os dentes. Se me pedirem uma prova, eu posso oferecer um argumento de autoridade, e que autoridade. Jorge Luís Borges, no seu conto Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, escreve: Do fundo remoto do corredor, espreitava-nos um espelho. Descobrimos (a altas horas da noite essa descoberta é inevitável) que os espelhos têm algo de monstruoso. Então Bioy Casares recordou que um dos heresiarcas de Uqbar havia declarado que os espelhos e a cópula eram abomináveis, porque multiplicam o número de homens. Ora, se o DIU não tem o poder de aniquilar os espelhos, tem, no entanto, o poder de permitir que a cópula não implique a consequência abominável da multiplicação dos homens. É verdade que o meu argumento de autoridade arrasta consigo uma polémica teológica, mas, numa sociedade laica, parece-me imbatível. Juro que estarei atento, caso não me esqueça, para todos os dias que decorrem ao longo do ano com as suas inauditas comemorações, até que chegue o do DIU. Da boca ao útero quantos dias se terá de esperar?
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