As pessoas enlouquecem com este calor. Não com uma loucura branda e complacente, mas com um desvario furioso. Grandes homicídios podem ocorrer durante as vagas de calor, traições sem fim, onde maridos e mulheres, até então fiéis, se traem entontecidos, violências inesperadas surgem quando as temperaturas sobem sem benevolência. Cansados com a prosápia dos humanos, os deuses vingam-se e enviam-lhe altas temperaturas para os cozerem no vapor que desce dos céus ou sobe da terra. Gostaria de escrever sobre outra coisa, mas a temperatura obnubila-me tanto a memória como a imaginação. A casa ainda é um oásis. A rua não é uma visão do purgatório, mas a sensação do inferno. O calor abafado, sob um céu nublado. Bebo água e tento pensar em alguma coisa que mereça ser pensado, mas não encontro. Sinto o cérebro tomado por uma grande lassidão, os olhos a arder – devias pôr pingos nos olhos, oiço dizer –, a vida a desenrolar-se em câmara lenta. Ao fundo, o barulho mecânico dos carros e talvez de aviões esconde a loucura que se abate sobre cada um dos mortais. Um cão ladra, mas não há naqueles latidos qualquer convicção. Também foi dobrado pela malevolência da temperatura. Não me ocorre nada para contar.
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