quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Desastres manuais

É um trauma antigo. Tenho uma relação difícil com os tubos de cola. Fundamentalmente, com aqueles minúsculos de onde sai uma substância translúcida que consegue até grudar o céu ao inferno, imagino eu. Exigem uma perícia no manuseamento que a natureza ou Deus decidiram não me conceder ou, para persistir no registo religioso, o diabo me roubou. O certo é que, sempre que me aventuro em unir aquilo que o tempo ou o descuido desuniu, fico com os dedos lambuzados com a maldita mistela, a qual, sem me dar tempo para reagir, seca e forma uma película sobre a pele. Irrita-me a insensibilidade digital a que fico sujeito. Não una o homem aquilo que foi desunido, parece-me uma injunção a não desprezar. Suspeito que haverá um produto que dissolva a mixórdia que me envolve os dedos, mas nunca me lembro de o comprar, caso exista. Fico assim cativo da minha inabilidade estrutural. Quando isto acontece, como há pouco, olho para as minhas mãos, como se contemplasse a mola propulsora de um desastre. Depois, rio-me. Nem disso, por pequeno que fosse, seriam capazes. Os trabalhos manuais sempre foram uma penitência excessiva e se oiço a palavra bricolage afasto-me de imediato, num exercício de verdadeira prudência.

2 comentários:

  1. Supergel (... de qualquer modo, graças a Deus - e ao Demo - pelos falhanços que se metamorfoseiam em discretos talentos.)

    Atentamente.

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