domingo, 18 de agosto de 2019

Pensamentos lúgubres

Há palavras que detesto, mais por uma questão estética do que ética, e outras de que gosto, porventura pelas mesmas razões, mas não estou certo. Gosto da palavra deriva quando usada na expressão à deriva. Há em mim uma inclinação para simpatizar com todos os que andam ao sabor das ondas ou da corrente, daqueles a quem a vida não concedeu poder para governarem o precário bote da existência. Sinto com eles uma espécie de irmandade, um vínculo indissolúvel. Estar à deriva é a autêntica condição humana, digo para mim mesmo. Estes, porém, são pensamentos lúgubres para um domingo de Agosto. Há dias que imagino como seria bom ser um profeta do Antigo Testamento e fazer sair da minha boca a cólera que habita no coração divino, mas temo que, caso alguém me escutasse, acabaria por rir-se de mim. O tempo dos profetas coléricos acabou e os que restam andam ao sabor da corrente. Como não sabem nadar, acabam por se afogar. Estes, todavia, continuam a ser pensamentos sombrios. Ao passar diante de um espelho, este devolveu-me a imagem de um profeta rubicundo e irado. Antes mesmo de começar a distribuir anátemas sobre o mundo, ri-me de mim mesmo.

3 comentários:

  1. Eu gosto da palavra rubicundo :)
    E também gostei de saber que simpatiza um pouco comigo, escusado será dizer porquê...
    ⛵��‍♀️��

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    1. Talvez o andar à deriva seja objecto de uma fraternidade clandestina, tão clandestina que os seus membros nem se conhecem. Talvez seja apenas a condição de todos os seres humanos, apesar de uns parecerem convincentes no papel contrário.

      HV

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    2. Ainda bem que dos 3 barcos apareceu um,por acaso o mais bonito :)
      E tem razão, alguns são bem convincentes.

      Maria

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