segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Inadimplência

Uma infelicidade não ter estudado leis e não saber latim. Um mal nunca vem só, foi o que pensei quando, arrastado por uma mórbida curiosidade, consultei o dicionário para saber o que eram clientes inadimplentes, dos quais uma certa marca de automóveis se queixa e, por ínvios caminhos, persegue. Pensei logo que não seriam grande coisa, tão horrível era a palavra que o jornal empregava para classificar tais clientes. Mesmo sem saber o significado, a última coisa que eu queria ser era um inadimplente. Consultado o Porto Editora que tinha à distância de um click, a coisa era mais simples do que parecia. Gente que, talvez por falta de memória, por distracção ou por dificuldade de se relacionar com o tempo, não cumpria, no prazo acordado, um pagamento ou um contrato. Pessoas pouco católicas têm a tendência de lhes chamar aldrabões, mas isso é falta de caridade. Por vezes sou assaltado por estranhos pesadelos, nos quais me entrego a pesados estudos do Direito. A tarefa principal é a de construir listas de palavras onde a ordenação jurídica opera para se ocultar do mais culto dos mortais. São sonhos de cortar a respiração. Lembrado desses devaneios oníricos, depois de tomar café, fui a uma loja de chineses, com o promissor nome de Compraky, e adquiri três cadernos pautados, com a capa a dizer notebook, e que hei-de encher, durante os meus piores sonhos, com vocábulos que só a ciência do Direito tem o poder mágico de evocar. Tudo isso é preferível, pensei, do que chegar a inadimplente. É duro ser ignorante.

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