Um brilho áspero desce dos céus e poisa impenitente sobre os ombros dos transeuntes. Estes caminham ajoujados ao peso dos raios solares, suspiram e limpam o suor a lenços sujos e já gastos. Em sentido contrário vem uma mulher coberta de folhos, saracoteando-se no pequeno palco que a rua lhe oferece. Alguns olhos, tomados por uma febre raquítica, prendem-se aos requebros e imaginam desfolhadas. É difícil perder o atavismo rústico, pensei. Por fim, fez-se silêncio lá dentro. As vozes incomodavam-me a visão. Abro a janela e deixo entrar o ar vindo da rua. Com ele chegam as imagens do que se passa lá fora. O escritório torna-se um hall onde se encontram as mais inusitadas pessoas. Olham-se desconfiadas, garras afiadas, aturdidas por se encontrarem ali. Um homem baixo, olhar velhaco, tira uma navalha do bolso, enquanto a mulher dos folhos pára os bamboleios. Prepara-se para gritar. Um pombo aproxima-se da janela, mas afasta-se de imediato assustado. Também ele viu aquilo que só eu vejo. Bato as palmas, aquela gente sai pela janela, que fecho de imediato. Lá em baixo, o homem de olhar velhaco esconde a navalha, enquanto as ancas da mulher dos folhos retomam o seu ondular campestre. Então, enlouqueço lentamente. O melhor será cobrir os móveis com gualdrapas, digo, mas ninguém quer saber daquilo que eu digo.
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