Compreendo bem o drama da imprensa nas pavorosas tardes de Agosto. Como se sabe nesse mês, em que os dias já declinam, não se passa nada, os acontecimentos recusam-se a acontecer, as ocorrências evitam ocorrer, os sucessos não querem suceder, os incidentes não incidem e os eventos não eventam. Alegam férias, excesso de calor, embora a razão seja sempre a mesma. A pouca vontade de trabalhar. Os jornalistas então vivem o pesadelo das páginas em branco, da falta de matérias para partilharem com os sequiosos leitores de novidades. Hoje, por exemplo, uma conhecida revista, na edição online informa que em Novembro – claro, em Novembro já é mês para que se passem coisas – decorrerá no Texas a terceira conferência anual da Terra Plana. E como o espaço é coisa que não falta, são elencadas dez razões para crer, o que nos permite entrar de imediato no domínio da lógica doxástica, que o nosso planeta é plano. Aliás, e este é o meu contributo para a teoria, se a Terra fosse redonda não seria um planeta mas um redondeta. Eu sei que a pilhéria é desoladora, mas não me ocorreu outra melhor. Culpada de tudo isto é a NASA que quer ocultar Deus dos olhos dos mortais, esse Deus invisível, a quem ninguém viu, o Deus que se escondia atrás da nuvem e, agora, da NASA. Agosto estrebucha, a sua morte nunca é pacífica. Encosto-me a uma sombra e leio em Eugénio de Andrade: Estou à espera / duma tarde semelhante ao sono das maçãs. Também eu espero qualquer coisa de que não me lembro. Além da esperança não me falta fé, pois creio que o nosso planeta se manterá plano e não arredondará até Novembro. O pior é que sou um raciocinador instável, daqueles que acreditam que acreditam numa coisa sem de facto acreditar nela.
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