quarta-feira, 14 de agosto de 2019

O canto do galo

Nestes dias tenho ouvido um galo cantar por volta das seis da manhã. Para honrar um modo de vida que está a ser rapidamente rasurado, levanto-me e vejo o alvorecer do dia. É uma hora assombrosa. A realidade parece ter saído há momentos dos dedos do criador e, mesmo a mim, um pessimista velho e contumaz, tudo parece ainda possível. A aurora traz consigo um excesso de promessas que o corpo e a vontade são incapazes de cumprir. Muitas vezes, os homens tomaram a aurora como símbolo de um mundo novo a vir, esquecendo que ela não era mais que o resultado de uma prestidigitação astral, da ilusão do sol orbitar o lugar que nos foi dado para viver, ou do mais prosaico rodopiar da terra em torno do seu eixo. Naqueles instantes, porém, não quero saber nada disto. Aspiro o ar fresco da madrugada, embebedo-me de promessas e quase elevo aos céus uma oração, para que os poderes do alto suspendam o tempo. Não sou convincente, os deuses não me escutam, e não me resta senão ir de novo para a cama, para acordar numa hora menos dada a ilusões e promessas que não se hão-de cumprir.

2 comentários:

  1. Mas esse galaró até é bem simpático, 6 da matina é uma hora fantástica para ir cumprimentar a aurora :)
    Eu levanto-me a essa hora numa tentativa (vã) de refrescar a casa, provocando correntes de ar (difícil quando não corre uma aragem) e vendo, com algum desespero, as moscas a entrar...
    E às 7h chega o Ra (que eu costumava adorar), fecho a janela do quarto e passo para a sala, virada a sul e sw para mais 2 horitas de tréguas.
    O resto do dia é passado na penumbra.
    Se ainda não disse, digo agora: detesto o Verão aqui na Beira Interior!
    Hoje: 20°/38°
    Na Costa Alentejana (onde morei antes: 17°/25°).
    Tirem-me daqui!!!
    🥀

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