quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Dias com má estrela

Há dias que nascem marcados por uma má estrela, isto a crer na influência dos astros sobre as coisas que acontecem. O abastecimento de água à cidade foi suspenso por umas horas. A electricidade recusa-se, não sem veemência, em chegar a uma série de tomadas aqui em casa, enquanto flui despreocupada e sonolenta noutras. Um dos estores avariou-se, negando-se a subir e a descer. Pior que tudo, porém, é o zelo roncante com que o funcionário de uma empresa de jardinagem teima em cortar a relva que decora os espaços públicos entre prédios. Tenho coisas para fazer que dispensam a presença do vruuuum laminador, mas não me parece que tão cedo o jardineiro vá jardinar para outras paragens. Enquanto a relva é degolada ao som de um rondó mecânico, desfolho os livros que agora me chegaram. Num deles leio “também os raciocínios estritamente circulares são válidos, ainda que não sejam cogentes”. Apesar da falta de cogência, fico aliviado, eu que vivo entre rotundas e tenho uma propensão indisfarçável para a circularidade. De raciocínio, note-se. No outro livro, logo salta à vista a frase “Dentro de si o músculo do coração aperta-se, enrola e malha na parede do peito”. A máquina calou-se, mas temo que seja apenas um truque para me levar a crer na perfeição do mundo. Em silêncio percorro o meu exército de raciocínios circulares. Vejo-os perfilados, temerosos, de coração apertado a bater sem compasso, à espera das ordens de um sargento enlouquecido. O ruído voltou, um pouco mais longe. Regresso a um dos livros e recebo a notícia, aliás destituída de novidade, de que há um número infinito de verdades lógicas. Não sei se hei-de exultar ou não. Há dias em que o infinito me assusta como se fosse um cão raivoso que me persegue para aplacar na minha carne o desespero da sua raiva. Estou cansado e manhã só vai a meio.

Sem comentários:

Enviar um comentário