Há dias que nascem marcados por uma má estrela, isto a crer
na influência dos astros sobre as coisas que acontecem. O abastecimento de água
à cidade foi suspenso por umas horas. A electricidade recusa-se, não sem
veemência, em chegar a uma série de tomadas aqui em casa, enquanto flui
despreocupada e sonolenta noutras. Um dos estores avariou-se, negando-se a subir
e a descer. Pior que tudo, porém, é o zelo roncante com que o funcionário de
uma empresa de jardinagem teima em cortar a relva que decora os espaços públicos
entre prédios. Tenho coisas para fazer que dispensam a presença do vruuuum laminador, mas não me parece que
tão cedo o jardineiro vá jardinar para outras paragens. Enquanto a relva é
degolada ao som de um rondó mecânico, desfolho os livros que agora me chegaram.
Num deles leio “também os raciocínios estritamente circulares são válidos,
ainda que não sejam cogentes”. Apesar da falta de cogência, fico aliviado, eu
que vivo entre rotundas e tenho uma propensão indisfarçável para a
circularidade. De raciocínio, note-se. No outro livro, logo salta à vista a
frase “Dentro de si o músculo do coração aperta-se, enrola e malha na parede do
peito”. A máquina calou-se, mas temo que seja apenas um truque para me levar a
crer na perfeição do mundo. Em silêncio percorro o meu exército de raciocínios circulares. Vejo-os perfilados, temerosos, de coração apertado a bater sem
compasso, à espera das ordens de um sargento enlouquecido. O ruído voltou, um
pouco mais longe. Regresso a um dos livros e recebo a notícia, aliás destituída
de novidade, de que há um número infinito de verdades lógicas. Não sei se
hei-de exultar ou não. Há dias em que o infinito me assusta como se fosse um
cão raivoso que me persegue para aplacar na minha carne o desespero da sua
raiva. Estou cansado e manhã só vai a meio.
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